No último dia 18
de agosto ocorreu mais um encontro do PEIF, no Instituto Estadual de Educação
São Francisco Xavier. A oficina foi ministrada pelo professor Lívio Arenhart, o
qual disponibilizou uma resenha sobre o encontro.
As concepções monoculturalistasde
totalidades sociais pressupunham a homogeneidade das suas respectivas partes e
se admitiam como teorias gerais, inclusive, da transformação social. Uma teoria
geral da transformação era considerada necessária e operacional à parte que
acreditava poder representar a totalidade e se autoproclamar sujeito da
história. Ora, acreditamos, hoje, que a experiência social é muito mais ampla e
variada do que o que a tradição científica e filosófica ocidental conhece e
considera importante. Nenhuma teoria geral pode abarcar a totalidade das
experiências sociais. Como sugere Boaventura de Sousa Santos, temos que criar,
hoje, o espaço-tempo necessário para
conhecer e valorizar a inesgotável experiência social em curso e,
simultaneamente,criar uma
inteligibilidade recíproca entre experiências disponíveis e possíveis. Este último aspecto é o que, por influência de
RaimonPanikkar, ele chama de tradução
intercultural.
O trabalho de tradução,
neste sentido, convém ser conduzido por uma metodologia que não se limita a
aplicar uma técnica de interpretação. De acordo com Panikkar, essa metodologia
implica saber operar com algumas distinções conceptuais, que a sustentam e
legitimam: conceito/símbolo, logos/mythos, alius/alter,
multiculturalismo/interculturalidade. A explicitação e articulação adequada
desses pares conceptuais, entre outros, formam o marco categorial pressuposto
pela metodologia da tradução intercultural que Panikkar denominou“hermenêutica
diatópica”.
Justifica-se essa
metodologia tanto pelo fato de evitar o desperdício da experiência e o
epistemocídio das formas de saber que não seguem exatamente os princípios e
normas de ciência ocidental quanto pelo fato de proceder ao desarmamento
cultural e ao diálogo intercultural e inter-religioso como condições
necessárias para a solução dos grandes problemas da humanidade e para a urgente
construção de um mundo de paz.
O trabalho de
tradução incide tanto sobre os saberes
como sobre as práticas e seus
agentes. A tradução entre saberes
consiste no trabalho de interpretação entre duas ou mais culturas com vistas a identificar preocupações isomórficas
entre elas e as diferentes respostas que fornecem para elas. Ora, como, no
diálogo entre pessoas de culturas distintas, nem sempre é possível uma comunhão conceptual, é de capital
importância o pensamento simbólico, o qual não é objetivo nem subjetivo,
mas essencialmente dialogal. A
compreensão recíproca de pontos de vista de falantes de culturas diferentes
implica certa participação num universo simbólico que não é exclusivamente
epistemológico. Com efeito, a
consciência simbólica ou mítica permite-nos “ver” as coisas do nosso mundo
prático numa dimensão de abertura
prévia ao entendimento lógico, pelo qual podemos “observá-las” e
analisá-las. Os mitos são aquilo que nos dá a base em que a uma questão
enquanto questão tem sentido,
que nos oferece o horizonte de inteligibilidade no qual temos necessidade de
colocar não importa qual ideia, convicção ou ato de consciência para que possa
ser captado pelo nosso espírito.
O melhor exemplo
de tradução intercultural pela metodologia da hermenêutica diatópica são os
estudos que explicitam a tensa relação simbólica entre a noção ocidental de
Direitos Humanos e as expressões simbólicas islâmica de umma(comunidade), hindudedharma(harmonia cósmica
que envolve o ser humano e todos os demais seres) e africana/bantu de ubuntu
(princípio do compartilhamento de
cuidado mútuo); pertencendo a culturas profundamente distintas e situando-se em
campos sociais diversos, as quatro noções expressam preocupações convergentes
com a dignidade humana.
Livio Osvaldo
Arenhart
MASOLO, Dismas A. Filosofia e conhecimento indígena: uma perspectiva
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