segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

DIÁLOGO INTERCULTURAL REQUER ESFORÇO DE INTELIGIBILIDADE RECÍPROCA

No último dia 18 de agosto ocorreu mais um encontro do PEIF, no Instituto Estadual de Educação São Francisco Xavier. A oficina foi ministrada pelo professor Lívio Arenhart, o qual disponibilizou uma resenha sobre o encontro. 
As concepções monoculturalistasde totalidades sociais pressupunham a homogeneidade das suas respectivas partes e se admitiam como teorias gerais, inclusive, da transformação social. Uma teoria geral da transformação era considerada necessária e operacional à parte que acreditava poder representar a totalidade e se autoproclamar sujeito da história. Ora, acreditamos, hoje, que a experiência social é muito mais ampla e variada do que o que a tradição científica e filosófica ocidental conhece e considera importante. Nenhuma teoria geral pode abarcar a totalidade das experiências sociais. Como sugere Boaventura de Sousa Santos, temos que criar, hoje, o espaço-tempo necessário para conhecer e valorizar a inesgotável experiência social em curso e, simultaneamente,criar uma inteligibilidade recíproca entre experiências disponíveis e possíveis.  Este último aspecto é o que, por influência de RaimonPanikkar, ele chama de tradução intercultural.
O trabalho de tradução, neste sentido, convém ser conduzido por uma metodologia que não se limita a aplicar uma técnica de interpretação. De acordo com Panikkar, essa metodologia implica saber operar com algumas distinções conceptuais, que a sustentam e legitimam: conceito/símbolo, logos/mythos, alius/alter, multiculturalismo/interculturalidade. A explicitação e articulação adequada desses pares conceptuais, entre outros, formam o marco categorial pressuposto pela metodologia da tradução intercultural que Panikkar denominou“hermenêutica diatópica”.
Justifica-se essa metodologia tanto pelo fato de evitar o desperdício da experiência e o epistemocídio das formas de saber que não seguem exatamente os princípios e normas de ciência ocidental quanto pelo fato de proceder ao desarmamento cultural e ao diálogo intercultural e inter-religioso como condições necessárias para a solução dos grandes problemas da humanidade e para a urgente construção de um mundo de paz.
O trabalho de tradução incide tanto sobre os saberes como sobre as práticas e seus agentes. A tradução entre saberes consiste no trabalho de interpretação entre duas ou mais culturas com vistas a identificar preocupações isomórficas entre elas e as diferentes respostas que fornecem para elas. Ora, como, no diálogo entre pessoas de culturas distintas, nem sempre é possível uma comunhão conceptual, é de capital importância o pensamento simbólico, o qual não é objetivo nem subjetivo, mas essencialmente dialogal. A compreensão recíproca de pontos de vista de falantes de culturas diferentes implica certa participação num universo simbólico que não é exclusivamente epistemológico.  Com efeito, a consciência simbólica ou mítica permite-nos “ver” as coisas do nosso mundo prático numa dimensão de abertura prévia ao entendimento lógico, pelo qual podemos “observá-las” e analisá-las. Os mitos são aquilo que nos dá a base em que a uma questão enquanto questão tem sentido, que nos oferece o horizonte de inteligibilidade no qual temos necessidade de colocar não importa qual ideia, convicção ou ato de consciência para que possa ser captado pelo nosso espírito.
O melhor exemplo de tradução intercultural pela metodologia da hermenêutica diatópica são os estudos que explicitam a tensa relação simbólica entre a noção ocidental de Direitos Humanos e as expressões simbólicas islâmica de umma(comunidade), hindudedharma(harmonia cósmica que envolve o ser humano e todos os demais seres) e africana/bantu de ubuntu (princípio do compartilhamento de cuidado mútuo); pertencendo a culturas profundamente distintas e situando-se em campos sociais diversos, as quatro noções expressam preocupações convergentes com a dignidade humana.
Livio Osvaldo Arenhart


MASOLO, Dismas A. Filosofia e conhecimento indígena: uma perspectiva africana. In: SANTOS, Boaventura de Sousa; MENESES, Maria Paula (Org.). Epistemologias do Sul. Coimbra: Almedina, 2009, p. 507-527.
PANIKKAR, Raimundo. Paz e Interculturalidad: una reflexión filosófica. Barcelona: Herder, 2006.
________. Seria a noção de direitos humanos um conceito universal? In: BALDI, César Augusto (Org.). Direitos Humanos na Sociedade Cosmopolita. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p. 205-238.
________. Religión, filosofia y cultura (2000). http://them.polylog.org/1/fpr-es.htm . Consultado em 17/10/2007.
RAMOSE, Mogobe B. Globalização e ubuntu. In: SANTOS, Boaventura de Sousa; MENESES, Maria Paula (Org.). Epistemologias do Sul. Coimbra: Almedina, 2009, p. 168-171.
SANTOS, Boaventura de Sousa. Para uma sociologia das ausências e uma sociologia das emergências. Disponível em: www.ces.uc.pt/bss/documentos/sociologia_das_ausencias.pdf.

SANTOS, Boaventura de Souza. Por uma concepção multicultural dos Direitos Humanos. In: BALDI, César Augusto (Org.). Direitos Humanos na Sociedade Cosmopolita. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p. 239-277).

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Projetos de Aprendizagem e Mapa Conceitual Escola João Manoel Correa e Escola Antonio Fioravante

No último dia 23 de novembro de 2015, as formadoras do PEIF Aline Madrid e Graciele Fabrício, acompanhadas da supervisora do programa em Por...