No dia 14 de agosto, ocorreu a oficina do
professor Lívio Arenhart, da UFFS- campus de Cerro Largo, com o tema: A
problemática do diálogo intercultural, na Escola Estadual Antônio Fioravante -CIEP. A seguir,
disponibilizamos uma resenha, produzida pelo professor Lívio, acerca das
questões enfocadas no encontro.
Distinguindo-se
das posições mono e multiculturalista, a postura de quem promove o diálogo
intercultural foca ao mesmo tempo as necessidades humanas do pertencimento
comunitário, do acesso aos recursos econômicos e simbólicos e da conexão às
redes informacionais. Enfrenta os problemas da diferença cultural, da
desigualdade social e da desconexão comunicacional. Essa posição desvia da
forma binária de pensar, que, indolentemente, opõe dominados e dominadores.
Na perspectiva do interacionismo
simbólico, a problemática da interculturalidade implica lidar com os contextos
institucionais como ordens negociadas
em que se mesclam formas de vida de múltiplos grupos que, pragmaticamente, constituem-se
como polos de poder, demandando e negociando a realização de seus fins e
valores.
Levando-se em conta que o império
capitalista (promete, mas) não proporciona trabalho, educação, saúde e o
atendimento de outras necessidades humanas, torna-se plausível que as
comunidades populares não se subordinem completamente à lógica da acumulação
capitalista. A vida social deve, portanto, ser vista como se movendo segundo
lógicas diversas. Uma dessas outras lógicas é a da luta pelos direitos
fundamentais, expressão ético-axiológico-jurídica das necessidades humanas não
satisfeitas. Onde e quando as lógicas sociais se revelam contraditórias, os
conflitos se desdobram também na forma de luta cultural-simbólica, dando lugar
à imaginação de outras formas de vida nos mitos, na literatura, nas histórias
em quadrinhos, etc. Como a lógica dominante não consegue subsumir as outras, éimpossível
viver social, cultural e informacionalmente em um único mundo.
Assim, apesar de seus sofrimentos, pelo
fato de viverem em mundos diversos, os migrantes e os exiladossãoa principal
referência para pensar a interculturalidade. Por referência a eles, a
reconstrução de nossas identidades exige uma inteligência de passagem. As
identidades são móveis, recombináveis, mescladas, híbridas, figuráveis por
metáforas. Daí a importância da metáfora da hibridação
para pensar o diálogo intercultural. A hibridação desautoriza nossa pretensão
de subsumir os outros a nossos esquemas de pensamento. Cobra-nos reconhecermos que
não sabemos como chamar os outros. Os
outros nos interpelam a partir de fora de nosso horizonte de sentido.
Entretanto, isso não nos autoriza a
ficarmos acomodados em visões fragmentadas do mundo. O princípio da
emancipação, uma das promessas que a forma capitalista de vida social não
consegue cumprir e que orienta a luta social, cultural e informacional pela
efetivação dos direitos fundamentais, impede que percamos de vista a referência
à totalidade e que nos atenhamos à celebração conservadora dos fragmentos. A
articulação desse princípio com a metáfora da hibridação faz-nos buscar um
mundo culturalmente, assim como biologicamente, colorido, múltiplo,
heterogêneo, por oposição à homogeneização promovida pelo império capitalista.
Aliás, é precisamente a compreensão
dessa tendência homogeneizante do capitalismo que nos permite ver o lado
positivo do etnocentrismo, tão criticado pela posição multiculturalista. Para qualquer
grupo (politicamente) minoritário, o reconhecimento da incompletude e da
relatividade de sua forma cultural de vida pode resultar em autodestruição
coletiva. O etnocentrismo deve ser visto como uma posição de autodefesa em
relação à lógica avassaladora do império capitalista, cuja cultura exerce um
efeito cáustico sobre as culturas dos grupos minoritários, quando estes não
levantam defesas vigorosas de seus segredos culturais, mesmo não excluindo a
demanda pelos mais avançados meios tecnológicos de comunicação.
Um aspecto importante do diálogo
intercultural é que ele se respalda numa postura de respeito à dimensão mítico-simbólica
da vida dos interlocutores de outra cultura, dimensão em que as comunidades
conferem sentido a sua vida. Não convém aos interlocutores de culturas
diferentes pretenderem, mediante distinções conceituais e argumentos, a
construção de sínteses teóricas entre as culturas. Ninguém pode colocar-se em
lugar de sobrevoo para tal. Por isso, tanto a agenda quanto o método do diálogo
intercultural terão de ser construídos no percurso. Naturalmente, isso não
exclui, ao contrário, implica a compreensão das razões e/ou motivações pelas
quais os outros creem no que creem, fazem o que e como fazem. Não se pode amar
algo sem que se tenha um mínimo de familiaridade com esse algo.
Livio Osvaldo Arenhart
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